Thursday, September 13, 2007

O caroco da azeitona

Palidez, reflexo dos meu dias verdes...

Verde como o sapo do pantano

Verde oliva cor de azeitona

E por falar em azeitona, me lembrei do caroco.

Imagine o grau de inutilidade de um caroco cuspido de azeitona.

Que imenso e irremediavel saudosimo deve sentir de seus gloriosos dias de empada...

Sua vida agora, ali encostado ao meio fio e' rezar para nao cair ou ser chutado para dentro de um bueiro.

Sim, porque para quem caiu na boca e teve a sorte de ter ido parar no intestino, agora cair no esgoto seria sacanagem...

Thursday, September 6, 2007

Amora e areia

.

Olheiras enormes circundam meus olhos insones. Uma semana inteira sem dormir ou quase. A cada noite sinto aumentar o meu pavor aos despertadores de cabeceira, aqueles de numeros luminosos verdes ou vermelhos que contam minuto a minuto a nossa agonia. E como se nao bastasse, os novos modelos projetam a hora no teto ou na parede a criterio do fregues, quanta tortura...
Fora isso, o silencio... O silencio da madrugada e' muito mais ruidoso do que as pessoas possam imaginar, nele seus pensamentos criam vozes que te perseguem, causando-lhe a sensacao de estar esquizofrenico.
Normal, mal mesmo porque bem nao pode ser.
.

Numa noite rara dessas em que durmo sonhei encontrar Frida Kahlo.
Seu famoso bigode estava grisalho e sua sobrancelha grossa e negra agora branca como neve, conferiu leveza ao seu rosto de tracos brutos. Ela estava em paz...
Seu espanhol cretino, digo, latino, havia curiosamente adquirido tracos inegaveis de sotaque nordestino. A tarde caia lenta quando Frida serviu-me uma xicara de cafe. Bem acomodada em sua cadeira de balanco, Frida comecou a me contar sua chegada ao nordeste brasileiro. Apos sua morte, encantada pela paisagem agreste, Frida comecou a vagar pelo sertao... Dificil acreditar como aquele arido cenario teria fertilizado sua imaginacao... Uma dezena de quadros novos povoavam as paredes de sua modesta casa.
A nova versao do seu famoso auto-retrato sempre carregado de uma expressao seria e carrancuda, chamava atencao por um unico detalhe: um timido sorriso. Sim, Frida agora sorria e sorria muito, disse estar aliviada por enterrado junto com o seu corpo toda amargura e sofrimento, sua alma agora era livre e leve.
Um cheiro de cigarro de rolo adentrava pela janela, Frida comemora:
- Ele chegou, ele chegou! E corre ate a porta.
Empalideco com a descoberta, o namorado de Frida e' o famoso Rei do Cangaco, sim, ele mesmo, Lampiao, em carne e osso, digo, em alma e espirito. Maria Bonita, sua mais recente amiga e confidente nao fazia ideia do clandestino caso de amor entre Frida e seu marido.
Amantes insaciaveis, Lampiao e Frida passavam torridas tarde de amor rodeados por telas e tintas. Frida tinha medo que Lampiao queimasse suas telas acidentalmente com seu cigarro, mas ele era cauteloso.
Lampiao chegou agitado, disse ter cruzado com Diego Rivera naquela tarde e manifestou subita vontade de tortura-lo ate a morte. Humilhada por Diego Rivera durante toda a sua vida, os olhos de Frida brilharam! Apaixonado por Frida, Lampiao queria vingar-se por ela e tecia detalhes sordidos do seu plano de execucao, sem parecer se importar com a minha presenca. E foi quando de repente, Lampiao calou-se e ficou pensativo. Frida preocupada pergunta:
- O que houve?
Lampiao tira do bolso o fumo e comeca a enrolar outro cigarro calmamente. Atenta aos sinais, Frida coloca a garrafa de aguardente sobre a mesa. Apos o trago, Lampiao acende o cigarro que faz uma fumaca densa e mal cheirosa. Lampiao frustado conclui:
- Queria matar Diego, mas Diego ja e' morto, tao morto quanto eu.
Fez-se um silencio tenso.
Frida vai ate a cozinha e volta com uma broa de milho nas maos. Lampiao observa-a calado. Frida diz:
- Virgulino, deixe de besteira homem, Diego era um borra-botas, um gordo covarde e medroso.
Ora, onde ja se viu torturar um cagao? Apenas os corajosos sao torturados, os medrosos pedem pinico!
Lampiao deu uma sonora gargalha e repetiu:
- Borra-botas, Diego cagao! Hahahahaha......
- Sim, um cagao, repetiu Frida e riu mais ainda...
Descontraido Lampiao, beliscava a broa que estava sobre a mesa, me deixando com agua na boca. Faminta lembrei-me da geleia de amora que trazia na bolsa.
- Frida, olhe o que eu trouxe pra voce e mostrei o pote.
- Geleia de amora, exclamou ela!
- Sim, geleia de amora! Peco desculpas pois o pote foi destampado pelo vento e pode ser que tenha entrando um pouco de areia.
- Hummm, retrucou Frida, amora e areia, mas que belo titulo para um quadro, nao?
Sorri como se concordasse e dei uma genorosa mordida na broa lambuzada de geleia.
.

Cafe preto, Frida Kahlo, Lampiao, broa de milho e geleia de amora e areia.
Adorei.
.